Grupos de teatro mineiros, como o Galpão, aderem à tendência de abrir ensaios ao público

Muitas vezes, a opinião dos espectadores provoca modificações na estrutura das obras antes de sua estreia

Em uma arte com a tradição que o teatro tem, o encontro com o público sempre foi aquele momento nobre, esperado por ambas as partes. É a hora em que tudo pode dar certo, ser sublime. Mas a fragilidade desse momento também pode se revelar um desastre total. O jogo teatral, que sempre repetiu essa lógica, há algum tempo dá sinais de mudança.


Para o diretor Márcio Abreu, todas as vezes em que o teatro precisou rever-se, reencontrar-se ou atualizar-se a questão passou por essa relação delicada entre a obra e o público, ou os artistas e seus espectadores. Agora não é diferente. Em tempos cada vez mais acelerados, a comunhão da obra com o espectador também tem ficado prematura.

“É muito cruel fazer uma obra nascer na tensão de uma estreia. É cruel com a obra, com a gente”, afirma Gustavo Bones, integrante do Grupo Espanca!. Hoje, o sétimo espetáculo do Espanca! – Real – nasce oficialmente no Itaú Cultural, em São Paulo. Como diz Bones, desta vez o filho nasce com um ultrassom prévio. No mês passado, bem antes de a montagem estar concluída, os atores participaram da mostra de processo do projeto Conexões. “Depois da apresentação, cortamos texto, mudamos a ordem das peças. Somente lá entendi que o trabalho tinha uma dimensão que era do ator. Foi lá também que tivemos consciência dessa epopeia que estamos fazendo”, afirma o ator e diretor Marcelo Castro.

A Cia Luna Lunera também fez o mesmo com Urgente, peça prevista para estrear em março do ano que vem. Entre o próximo domingo e a quarta-feira seguinte, os veteranos do Grupo Galpão realizam em sua própria sede a Mostra de Processo de Ensaio do novo espetáculo, que terá direção de Márcio Abreu. A trupe já fez isso em outros tempos, mas não é um hábito. O ator Eduardo Moreira diz que o frio na barriga comum às estreias permanece, mas carrega particularidades.

INSEGURANÇA “É um outro tipo de insegurança. É algo mais frágil e agora estamos muito mais expostos em um certo sentido. Estamos encarando como uma coisa importante, mas que as pessoas têm que saber olhar. Não é uma peça terminada, mas um fragmento, algo a ser construído”, afirma. A nova montagem do Galpão tem estreia prevista para final de março ou início de abril de 2016.

Integrante da Cia Brasileira, com sede em Curitiba, o diretor Márcio Abreu faz questão de frisar que o material a ser apresentado é embrionário. A ideia de receber convidados já neste momento em que as ideias ainda não se materializaram faz parte de uma dinâmica de entrosamento entre a direção e o elenco.

Apesar de se conhecerem há muito tempo e haver uma admiração mútua, será a primeira vez que o Galpão e Márcio Abreu trabalham juntos. A dramaturgia vai nascer das improvisações dos atores, mas será costurada e lapidada pelo diretor e por Moreira. “Uma das nossas dimensões de investigação é entender o texto e para que público (se destina), que época, que forma de escrita ou que assuntos, qual articulação de linguagens ele envolve. Achamos muito importante, logo neste início, ter a chance de trazer o público e entender esse caminho”, afirma o encenador.

Não há sequer um nome provisório para a montagem, inicialmente projetada para espaços fechados. Estarão em cena Antônio Edson, Arildo de Barros, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Teuda Bara. Um dos princípios que têm norteado os ensaios é a pergunta: o que pode ser uma dimensão política no teatro hoje.

O Galpão passeia por temas ligados ao universo do trabalho e, claro, sente-se provocado por acontecimentos recentes. “Fazer uma peça política não é simplesmente falar sobre as coisas. É como a gente absorve e transforma em expressão artística, o que é singular”, afirma Márcio Abreu. Durante a mostra de processo, a cada dia será apresentada uma proposta de cena diferente.

 

ESPANCA! ABRAÇA A POLÍTICA COMO TEMA

A nova montagem do Espanca! é a maior empreitada da companhia de Belo Horizonte. A direção é de Gustavo e Marcelo Bones, integrantes do grupo, ao lado da produtora Aline Vila Real. Eles dividem a cena de Real com sete atores convidados: Alexandre de Sena, Allyson Amaral, Assis Benevenuto, Gláucia Vandeveld, Leandro Belilo, Karina Collaço e Michelle Sá.

A peça nasceu da provocação que os mineiros fizeram a quatro dramaturgos. Eles distribuíram para Roberto Alvim, Diogo Liberano, Márcio Abreu e Byron O’Neill quatro fragmentos de notícias. Elas serviram como ponto de partida para as dramaturgias de O todo e as partes, Inquérito, Maré Parada serpentina.São espetáculos que podem ser apresentados de maneira independente ou em sequência.

“Esse projeto nasce da ideia de experimentar linguagens distintas a partir de poéticas diferentes. Convidamos pessoas que têm trabalhos muito diferentes dos nossos”, diz Marcelo Castro. A dinâmica também foi distinta de tudo aquilo que fizeram ao longo de 11 anos de carreira.

Desta vez, o teatro do Espanca! se aproxima com mais verticalidade de temas políticos. “É um momento que parece não ter como falar de outra coisa. É necessário”, afirma Marcelo Bones. “O teatro brasileiro está mais politizado, problematizando o país. Todo mundo está assim”, completa Gustavo Bones. Os atores consideram Real uma espécie de revista política.

Depois da temporada paulista no Itaú Cultural, a peça será apresentada em Belo Horizonte, nos dias 19 e 20 de dezembro, no Galpão Cine Horto.

LUNA LUNERA DIVIDE O ‘MOVIMENTO’ DE CRIAR

Contar com a reação de convidados ainda no momento da elaboração dos espetáculos tem sido uma constante na vida da Cia Luna Lunera. Desde 2003, na criação de Nesta data querida, os atores abrem os ensaios para o público. Mas foi a partir de Aqueles dois (2009) que dividir a intimidade da “incubadora” com a plateia passou a ser um hábito. E foi quando a companhia batizou esses encontros de Observatório de Criação.

“Como éramos também os diretores, essa era uma oportunidade de dialogar com o público sobre como estava chegando em cada um aquilo que estávamos fazendo. Era uma maneira de ter um olhar de fora. Multiplicávamos a possibilidade de diálogo escutando as pessoas”, diz o ator Odilon Esteves. Ele conta que, quando o grupo lança a ideia de uma peça, não necessariamente já tem algo definido a dizer. “Temos perguntas que nos movimentam. Não quer dizer também que vamos encontrar uma resposta nem que vamos dar uma resposta ao espectador. O que dividimos é o movimento que gerou os questionamentos”, afirma.

Para Odilon, o compartilhamento do processo criativo é bom para o ator, que tem o retorno imediato sobre a comunicação que propõe, mas também ajuda a desmitificar a “magia” teatral. “É um trabalho diário, árduo, tem espaço para o erro e há muitos erros. Mesmo aquilo que a gente chama de resultado nem sempre é um acerto”, avalia.

Quando o grupo estava prestes a estrear Prazer (2013), os atores receberam 20 pessoas na sede da companhia. Foi fundamental para transformar a montagem. “Reformulamos radicalmente a estrutura da dramaturgia graças às perguntas que nos fizeram. Se eles estavam formulando aquelas perguntas, a peça não estava respondendo a algumas delas e precisávamos rever”, conta.

A Luna Lunera também tem prevista para março a estreia de Urgente, sua nova montagem. A peça terá direção do Áreas Coletivo de Arte – coletivo teatral com Miwa Yanagizawa, Maria Sílvia Siqueira Campos e Liliane Rovaris. Até lá, Odilon prevê muitos encontros com pessoas interessadas em ver uma obra teatral nascer.

MOSTRA DE PROCESSO DE ENSAIO DO NOVO ESPETÁCULO DO GRUPO GALPÃO
De domingo a quarta, às 20h30. Sede do Grupo Galpão. Rua Pitangui, 3.413, Sagrada Família, (31) 3463- 9186. Entrada franca, sujeita à lotação do espaço. Senhas distribuídas no local

 

FONTE: PORTAL EM : http://divirta-se.uai.com.br/app/noticia/arte-e-livros/2015/11/19/noticia_arte_e_livros,174226/grupos-de-teatro-de-mg-aderem-a-tendencia-de-abrir-ensaios-ao-publico.shtml

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