Memórias de Bitita- o coração que não silenciou

O Portal Teatro Mineiro entrevistou a idealizadora da peça Memórias de Bitita, Carlandréia Ribeiro 

Levar a história de Maria Carolina de Jesus aos palcos é um ato politico. Uma luta contra o racismo estrutural ainda presente nas artes cênicas.  Luta que foi assumida pelo Grupo Circo Teatro Olho de Rua que apresenta a peça, Memórias de Bitita- o coração que não silenciou. 

Idealizado pela atriz e produtora, Carlandréia Ribeiro, o espetáculo faz parte da 42ª Campanha de Popularização Teatro e Dança e será apresentado em Belo Horizonte. De acordo com ela, apresentar os escritos de Carolina permite senão redimir, pelo menos minimizar a dor e a opressão de gerações de descendentes afro-brasileiros que tiveram suas vozes caladas pelo racismo institucional que nos anos pós-abolição relegou o negro ao mais obscuro lugar de sua sociedade – “a favela é o quarto de despejo da cidade”. Com esta afirmação Carolina nos situa de forma contundente o contexto de discriminação no país.
 

Lei a entrevista:

Portal do Teatro Mineiro: Qual a importância da criação de um espetáculo que retrate a vida e a memória de Maria Carolina de Jesus?

 Carlandréia Ribeiro: A obra de Carolina Maria de Jesus foi injustamente abafada e pouco oferecida ao grande público brasileiro, especialmente aos educadores e estudantes. Ao propor esta montagem pretendemos minimizar essa injustiça e levar aos palcos brasileiros um espetáculo que conte sua trajetória de uma mulher negra e pobre, mas que ousou ser protagonista da sua história, que saiu da regra e decidiu falar em vez de abaixar a cabeça, fazendo a subversão necessária.

Em Memórias de Bitita - o coração que não silenciou, vemos em cena essa força extraordinária da natureza. Viva. Exposta. Extrapolando em respiração, choro e risada. É um convite às Carolinas que somos para que também não se calem e não se submetam à miséria e à opressão. Somos todos e todas Carolinas em seus quartos de despejo, a despejar emoções. Somos, juntos, atores e espectadores de um diário que ainda teima em continuar a ser escrito, pois que de uma Carolina, se desdobram muitas e multifacetadas Carolinas. Ela tem fases como a lua que míngua, se enche e se renova a cada vez que a roda do mundo gira. E como a lua, a vida inconstante das Carolinas que somos, morre e renasce da brutal e fascinante tarefa de sobreviver.

Trazer à cena a obra de Carolina Maria de Jesus significa também dar voz a milhares de mulheres negras brasileiras que como Carolina, ainda enfrentam a dura realidade imposta pelo preconceito social e étnico-racial brasileiro. Por outro lado ela à sua maneira nos ensina como a mulher pobre e negra sempre foi símbolo de resistência frente à discriminação e a pobreza.

 Portal do Teatro Mineiro: A peça é também um meio de luta, de resistência ao racismo?

Carlandréia Ribeiro: Certamente. Levar Carolina Maria de Jesus aos palcos é sem dúvida um libelo contra o racismo estrutural. É afirmar por meio de sua trajetória de vida e de sua obra que o negro brasileiro tem o que dizer e que não precisa que outros digam por ele. É também um meio de mostrar, a exemplo de Abdias Nascimento, que juntamente com Ruth de Sousa e vários artistas criou o TEM – Teatro Experimental do Negro em 1941, que podemos e devemos criar nossa própria dramaturgia, uma vez que na indústria cultural pouco se faz e se pensa acerca do verdadeiro papel do negro nas artes, e, como já disse, quando ele é colocado é sempre em situação depreciativa. Outros grandes exemplos são Zózimo Bulbul, Léa Garcia, Zezé Motta, Antônio Pompeu e tantos outros artistas negros que abriram esta estrada de empoderamento do negro na mídia nacional.

Portal do Teatro Mineiro: Você sente a necessidade da representatividade de atores negros em peças teatrais?

Carlandréia Ribeiro: Sim, muito. Sempre defendo que é necessário que tenhamos exemplos positivados do negro na mídia, seja ela qual for. A visão estereotipada do homem negro e da mulher negra tanto no teatro ou do homem negro sempre no papel do bandido da favela, do malandro indolente, ou a mulher negra hipersexualizada. Precisamos mostrar os negros ilustres e empoderados, em posições socialmente bem sucedidas. Não aceitamos mais assistir calados nossa imagem sempre projetada em posição de subalternos e inferiorizados.

Portal do teatro Mineiro: Como foi o processo de criação e composição do espetáculo?

Carlandréia Ribeiro: Tendo como referência os diários, poemas e composições musicais, assim como textos escritos por mim para formarem urdidura aos textos da autora, o espetáculo retrata a trajetória de Carolina de Jesus em suas diversas fases. Mas também traz em seu arcabouço as experiências pessoais das atrizes que a interpretam. Nesse sentido, não buscamos nessa construção realizar um trabalho de mimesis corpórea, mas principalmente procuramos encontrar a Carolina que há em cada uma de nós. Isto fez com que muitas cenas fossem autobiográficas, pois elas foram preenchidas por histórias de racismo e discriminação vividas por nós em diferentes momentos de nossas vidas.

 Serviço:

Data: 11 a 21 de fevereiro

Local: Funarte (Rua Januária, 68 - Floresta)

Horário: 20h

Preço médio: R$5

 

 

 

 

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